das mãos do Oleiro para o serviço; do serviço para as mãos do Oleiro
Sou um vaso quebrado. As fissuras que se alastram em minha estrutura não permitem que o óleo refrescante permaneça, ele se esvai dia após dia, gota por gota. Além disso, estou exposto à infiltração externa, que traz impurezas para dentro de mim, contaminando o óleo que o Espírito depositou.
Por muito tempo fui um vaso novo e apto para o uso. Servia as pessoas e era colocado para tarefas dignas e honrosas, como alimentação e matar a sede. Depois de certo tempo, ao vir as pessoas se alegrando por estarem alimentadas, e alegres pelo vinho que depositei em suas vasilhas, eu envaideci. Criei dentro de mim uma sensação de onipotência e passei a escolher as pessoas a quem servir; parei de me limitar à função e então, achei-me na posição de juiz para julgar a sede das pessoas, a razão da tristeza e a sua exaustão. Eu quis, ainda, ser o centro da conversa, a dirigir assuntos e decidir quando me importar.
Eu não sabia, mas eu estava rachado. Enquanto passei a cuidar das pessoas achando-me especialmente importante, eu caí. Não foi uma queda abrupta, foi lentamente. A cada acusação eu descia, a cada negativa de ser utilizado por “qualquer um”, eu descia, e quando eu vi, estava no chão, sendo empurrado para o canto e incapaz de voltar às minhas funções.
Eu já não era suficiente para segurar o óleo dentro de mim, e nem para voltar à mesa. Eu estava feio, desfigurado e inútil. Assim me sentia.
Fui ficando amargurado ao ver outros vasos bonitos brilharem. Alguns na estante da sala, outros no centro da mesa com lindas flores, e outros no serviço que antes era meu. “Quanta audácia!” (pensava eu), “jamais vão fazer como eu fazia, eu sempre fiz melhor”! Mas, essa autovalorização não me ajudou, apenas fermentou em mim uma tristeza profunda, um ódio e o sentimento de não ter sido valorizado como deveria.
Aos poucos fui sendo afastado dos locais públicos. Estava feio para ser visto pelas visitas. E, então um dia fui posto numa caixa onde tinham outras louças quebradas. Isso me fez chorar e pensei: “eu sou apenas mais um, ninguém está se lembrando do que eu fazia, o que eu servia e como eu me apresentava, onde estão as pessoas que se alegraram pelo vinho que havia em mim? E onde estão aquelas que eram curadas pelo óleo que em mim havia? Já não se lembram mais?”
O tempo foi passando, e dentro de mim foi adentrando poeira, teias de aranha e de vez em quando algum inseto desejava se esconder ali. Eu já havia perdido o brilho, minha cor estava fosca e o local foi se tornando apertado por outras peças que foram sendo colocadas. O dia que chegava mais alguém eu deixava transparecer um deboche escancarado, uma crítica doída e um certo comentário tosco: “tá vendo? Chegou a sua vez!”
Mas, um dia, eu e os outros que ali estavam fomos surpreendidos com uma voz que dizia: “Vou leva-los ao Oleiro!” Alguns de nós diziam: “esse é o nosso fim, vamos ser destruídos!” Outros diziam: “Não, ainda há esperança para nós, voltaremos ao barro e depois, seremos reconstruídos e voltaremos a servir!”. Eu estava atônito, minha mente lutava contra os sentimentos de destruição quando me lembrei do dia que o Espírito Santo me encheu de óleo e disse: “sempre que precisar, volte à Casa do Oleiro, Ele poderá te refazer e consertar os estragos na tua estrutura para que não falte o óleo e o vinho!”. Essa lembrança me fez relembrar a razão da minha existência e o quanto impotente eu sou. Me fez ainda perceber que quebrado como estou não tenho nenhum valor ou serventia, e para nada presto se não tiver novamente sob as mãos do Oleiro.
Chegando na Casa que eu deveria ter voltado antes, eu ainda quis resistir. Achei que não estava tão ruim, que talvez tão somente um remendo poderia trazer novamente vitalidade e assim eu poderia voltar mais cedo para o centro da mesa, mas, o Oleiro se negou a fazer a minha vontade e disse: “não se põe remendo novo em tecido velho”, e passou então a me quebrar inteiro, a tirar as sujeiras da vaidade e da prepotência que haviam se amontoado em mim, e eu tornei, em suas mãos, a ser apenas barro.
Um barro apenas, mas um barro sendo preparado para um novo projeto. Um barro pronto para ser moldado, que irá para a roda e depois para o forno. Um barro disposto, um barro sem pressa, um barro que um dia, a depender do Oleiro, será novamente um vaso para a honra do Espírito Santo e para o Resplendor de Sua Glória.