O tempo e o espelho

Sou a caçula da minha família. Levei menos surras (acho que meus pais já haviam descoberto que não era o melhor caminho – que bom pra mim), das minhas amigas era a mais nova e me sentia sempre bem protegida.

Aos dezenove anos fui para um Seminário, a princípio para ser voluntária. Notei ali que era uma das mais novas. Apesar de bem jovem, reconheço, depois de alguns anos, que fui bem corajosa para viajar 800 km para inserir em uma comunidade onde não havia nenhum conhecido.

Naquele ambiente conheci meu esposo, casei-me aos 23 anos e aos 26 fui mãe.

Vale ressaltar que a primeira vez que utilizei maquiagem foi no casamento. Era justo. O único item de beleza que fazia parte dos meus dias eram batons. Não tinha orelha furada e nunca fui de muitas bijuterias.

Morei no exterior e voltei à Pátria no mesmo estilo – cara lavada. Depois da filha grande, a orelha foi furada e por volta dos 35 anos, os fios brancos deram o ar da graça o que me trouxe desespero. Afinal, o tempo havia passado e, voando, diga-se de passagem!

O tempo

Por um tempo dei conta de viver com eles. Mas, logo chegou a intenção de encobrí-los. E, como a maioria das mulheres, comecei a ficar loira – não velha!

Mas, não foi a única mudança. A pele já não é a mesma. Afetada pelo sol e pelos contraceptivos orais, as manchas apareceram. Ácidos, bloqueadores solares e, por que não dizer, base, começou a fazer parte do meu cotidiano.

Além da base, o corretivo para disfarçar as olheiras trazidas pelo cansaço, noites mal dormidas e uso diário de óculos começou a ser o novo queridinho. Eventualmente um lápis, sombras, blush e máscaras para cílios aparecem para dar um “up” no visual.

Até então, estávamos indo bem. Eu e a nova “velha vida”. No entanto, minha mais recente descoberta foi ao olhar no espelho e deparar com um novo intruso: um fio branco na minha sobrancelha. A partir daí começa uma nova fase ou um novo cosmético.

Eu sei que todos ou todas passamos por isso. O tempo passa e é preciso aceitar. Um dia os cosméticos apenas disfarçarão o efeito do impacto do tempo. E eu acho que esse momento já chegou.

Os Efeitos

Não há remédio para a velhice. Não há como bloqueá-la. Ela vai chegando devagarinho até fazer parte do nosso cotidiano. Precisamos aceitar.

O fato de ser caçula hoje só revela que meus pais estão idosos, lutando contra as dores diárias e sobrevivendo à base de drogas farmacêuticas.

sobracelhaÉ isso. Os filhos crescem, as rugas também. Quem deseja e possui condições financeiras investe em botox, plásticas e enchimentos. Há os que possui dinheiro, mas não deseja e eu estou no último grupo: nem dinheiro nem desejo. Prefiro me acostumar à isso.

O envelhecimento pode até nos assustar mas é um carro sem freio numa grande ladeira. Está acontecendo desde que nascemos e vai crescendo em velocidade depois dos 30. O espelho passa a ser o nosso grande acusador, insistindo em mostrar algo indesejado sempre que o encaramos.

Atualmente, há um efervescer de mulheres que deixam os brancos aparecerem. Adotam os grisalhos e são desbravadoras na luta contra as químicas capilares. Tiro o chapéu para elas. Acredito que a principal batalha elas já venceram: a da própria imagem envelhecida no espelho. Cada uma de nós precisa viver da forma que consegue. E, por isso, existem as novas loiras da praça, das quais eu me incluo. Não há por que se envergonhar.

Eu ainda não sei o que fazer com o fio branco da sobrancelha, possivelmente terei outras surpresas desagradáveis. Não sou a única. Faço parte do exército de pessoas que tem a consciência de que envelhecer é incontrolável e um fato a ser considerado, mas ao menor sinal se desespera e se encontra finita e vulnerável.

A vida

Vida. Entre ela e a morte há uma linha tênue e frágil. Avançamos para o fim enquanto formamos um espiral de idas e vindas, de encontros e desencontros, de experiências boas e amargas, de conquistas, fracassos e devaneios.

As marcas não ocorrem somente no exterior. A mudança também é interna. O mesmo tempo que envelhece traz cura, crescimento e uma bagagem rica e única, carregada por cada um de nós.

A viagem aos dezenove anos ainda está na mente, e outras tantas viagens também. Fizeram parte de escolhas e enriqueceram minha história. Hoje, enquanto os fios embranquecem continuo a assinalar opções e a escrever a trajetória. É preciso continuar. Fazer valer o tempo, a vida e as experiências.

“Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração alcance sabedoria” Sl. 90.12.

 

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