Diz a história que o autor da música, muito conhecida no Brasil: “eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel”, Assis Valente, se suicidou. Não sei se ele se desencantou com a magia do Natal, mas sua canção embalou sua própria história de tristeza, pobreza e conflitos existenciais.
Não há magia no Natal
Desde criança descobri que não há magia no Natal e que Papai Noel não existe, portanto, nunca fui estimulada a pedir algo para ele ou esperar por algum milagre de Natal.
O único milagre de Natal era meio engradado de refrigerante. No entanto, levo várias histórias de “Natais” desastrados: andar por quilômetros, à pé, passando por dentro de plantações e por cima de pinguela para estarmos juntos com a família de uma tia materna. Lembro igualmente do barulho da criançada correndo, do cheiro do frango assado, e das muitas bebidas alcoólicas que alguns familiares faziam uso até começar as encrencas.
Nosso núcleo familiar era pequeno e distante de outros parentes não havia troca de presentes. Dessa forma, a primeira boneca que tive, eu já estava com 11 anos, e foi dada pelo gestor do município a todas as crianças.
A realidade da vida
Enfrentar a realidade desde cedo me fez acreditar que a vida é dura e sem Papai Noel. Também me ensinou a lutar e a não desistir frente às dificuldades.
O dia da compra era uma vez ao mês, e, às vezes, eu ia com meus pais. Meu pai sempre organizado com uma lista, numa caderneta, colocava o valor na frente e, depois em casa, conferia o valor da compra. Em uma ocasião, lembro-me de tê-lo visto voltar ao mercado para contestar o valor pago, e retornar para casa feliz e cheio da razão. Era um senhor semianalfabeto frente à máquina do comerciante, cuja matemática até hoje nos surpreende.
Naquela época não havia nenhum benefício do governo: nem vale gás, nem bolsa família ou qualquer outra coisa. Em algumas situações, meu pai precisou se dirigir à delegacia para assinar um atestado de pobreza, para comprovar nosso estado paupérrimo.
Jesus ou Papai Noel
O fato de Jesus ter nascido numa estrebaria e ter sido colocado numa manjedoura, traz uma identificação comigo, enquanto criança, e com grande parte da população brasileira. Ele não é o Papai Noel, Ele é Filho do Deus Todo Poderoso. Deixou a sua glória, brilho e riqueza para tornar-se pobre, andar à pé, refugiar-se em outro país, e dizer um dia que “As raposas têm covis, e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mateus 8:20).
O Papai Noel, de acordo com a lenda, traz presentes para bons meninos e meninas, entra pela chaminé, (inexistente na maior parte das residências) e diz: “ho, ho, ho”. Diz a lenda, ainda, que é preciso acreditar e pedir.
Escrever cartinhas e esperar pelo “bom velhinho”. Os “bons velhinhos” são pessoas, em geral, idosas, com barbas brancas, vestidos de vermelho e carregando sacos cheios de presentes.
De fato, para o compositor da triste música natalina, Papai Noel não veio. Assim como não veio para mim e para tantas crianças. Por outro lado, a figura lendária de alguém que vem apenas uma vez no ano, caso a gente tenha se comportado, também não é muito animadora.
Jesus, “presente” presente o ano todo
Dentre a realidade cruel fui ensinada a ser grata, e a fazer orações a Jesus – aquele que passou um tempo aqui. Ele trouxe Deus para a terra dos homens, e antes de voltar para a sua casa disse:
“eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos”.
Mateus 28.20
Não existe presente maior do que esse, não existe maior alegria, saber que nos dias tristes e alegres não estamos sós. Afinal, durante a caminhada por dentro das propriedades alheias, em cima das pinguelas e abrindo uma garrafa de vidro contendo um líquido docinho e gasoso, só degustado no Natal, Jesus estava presente. Diante do frango assado, e em meio ao calor, geralmente grande nesse período, Jesus estivera presente, não permitindo que houvesse desesperança e nem frustração.
Aprendi que houve milagres no Nascimento do Cristo, e que há milagres todos os dias! Compreendi que magia é ter fé em face da realidade cruel, e que é mágico sorrir quando se espera que choremos.
A infância passou e dela se formou uma pessoa realista, prática, mas, sonhadora! Os presentes são muitos e todos os dias tem um pacote novo a ser aberto- uma nova oportunidade, um novo dia. Minhas lembranças me impulsionam a procurar soluções e construir todos os dias pontes ao invés de pinguelas. Lugares mais seguros e firmes por onde se pode caminhar. O desejo é que outras gerações possam andar sem medo, sem sustos e com muita fartura, porém, sem se esquecer da gratidão, dos milagres diários e da presença constante de Jesus.