O especial comum do dia a dia

“Sem o comum nada é especial”.

Temos ouvido muitas expectativas com relação ao pós-pandemia:

  • Depois da pandemia vou te visitar;
  • Logo que passar isso vamos viajar;
  • Assim que terminar a pandemia vou retomar a dieta, ou a academia.

Estamos, obrigatoriamente, mais reclusos em casa. Não há festas, não há cinemas, multidão… E, então, algumas pessoas que não conheciam a própria casa passou a ficar em “modo soneca”, ou “stand by”. O viver passou a ser algo do futuro, pois viver para alguns é estar em lugares movimentados, frequentar baladas e adicionar localização especiais…

O valor do comum

O comum é tido como sem valor algum. O especial é sair de casa, “se sentir” importante no “Starbucks”, no “Coco bambu” ou em qualquer lugar que se dispense um bom dinheiro para poucos minutos. É o Estar frente ao Ser. Em casa precisamos Ser. Esse é o problema. Não há selfies para o desentendimento diário, para aqueles momentos chatos de se somar boletos, para a tarefa árdua na educação dos filhos, não há alegria em se levantar com olheiras após uma noite mal dormida, em tirar o lixo – tarefa importante para o nosso dia a dia, ou em organizar a terrível pia que parece procriar louças sujas.

Sim. O comum cansa, esgota e não é o objeto das fotos e até da vida. No comum, temos de lidar com nossas marcas de expressão, rugas, cara limpa, cabelos sem chapinha, moletons e meias. Para o comum não é necessário – nada além da rotina. E a rotina está fora de moda. Legal mesmo é fazer algo diferente, como ser seguido nas redes sociais pelo máximo de gente, postar fotos cotidianas das nossas alegrias (nem que seja um sorriso e um abraço só para a fotografia), com maquiagens e o uso de filtros e mais filtros.

O dia a dia

Na vida real não tem filtros. É como é. Tem dias que a gente não tem vontade de levantar, e outros não se consegue ficar na cama! As horas que passamos acordados é terrivelmente mista de cores, dissabores, suspiros e risos. Não há salto alto (não é confortável para se estar em casa), não se necessita de maleta de maquiagem e de roupas de grife. Mas, também, é onde a gente se depara com nossas frustrações, limitações e tristezas. Sem ser notado, sem compartilhamentos e sem visualizações.

A vida real é extremamente perigosa para quem não consegue lidar consigo mesmo. Para quem não se ama como é, e para quem não superou as dificuldades passadas. O silêncio é avassalador para quem não curti ouvir a própria respiração, e não sabe ser grato pelo simples e finito que se é.
O anseio pela eternidade passa a se tornar pânico da morte. O medo de pensar sobre si mesmo e sobre seus pensamentos e emoções é cruel para quem não se perdoa ou não descobriu o segredo de se compreender como instável, frágil, mas ao mesmo tempo, resiliente.

O comum especial

A vida pós pandemia revela o que a pandemia tentou nos ensinar e, possivelmente, não foi compreendida. O núcleo é mais importante, por mais comum que seja. E o comum precisa ser celebrado, porque ele é quem nos faz ser quem somos. No comum, temos quem está conosco de fato, independente das estações. O comum é quem traz os nutrientes para nossa sobrevivência e permanência. O comum é ser aceito, apesar de nós! É a dependência de alguém que é comum como a gente, e é seguir e aprender os passos que não são registrados em redes sociais.

Comum é ser especial para outro comum. É aprender a viver sem alardes, sem selfies e sem ostentações. É rir do cachorro, e trocar experiências com quem está conosco à mesa todos os dias. Comum é ouvir histórias corriqueiras, e saber entende-las em sua profundidade. Ao final, o comum é o significado mais simples possível do que é complexo, extenso, amplo e inegavelmente necessário. Viver é comum. Comum é saber viver.

Lidia Loback @ 27/06/2020

Sobre esse tempo de pandemia tenho também outro artigo intitulado “Exilio e Pandemia”.


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