Trabalho com pessoas. Posso dizer que me surpreendo cada dia mais com elas. E quero iniciar este texto falando que quanto mais me aproximo de gente, mais aprendo a ser gente.
Cada pessoa tem uma história única, que não pode ser mudada.
As pessoas que me cercam possuem desde dias de vida até a vida adulta. Devido a isso, muitas pessoas diferentes realizam contato com a equipe que cuida dos pequenos. Pessoas que não puderam ter seus filhos biológicos ou aquelas que sempre sonharam incluir a adoção na família. A maioria dessas pessoas querem um ser pequeno, pronto para ser impresso pela nova família. São raras ou raríssimas pessoas que desejam acolher quem já teve uma longa história de perdas e superações. Ignoram o fato que todo o ser tem atrás de si uma história. Talvez, tenha tido uma história que durou apenas a gestação e o momento do parto, mas é dono de sua própria história por mais triste que nos pareça.
O acolhimento, seja do pequeno ao grande, só acontece quando a história dos que estão chegando também é recebida, como um pacote essencial que acompanha cada pessoa, afinal, ninguém nasce sem história. Para que alguém fosse gerado existiu uma produção que envolveu 2 pessoas, cada uma com sua trajetória de vida. O novo ser é fruto dessa produção.
Constantemente, ouço de diversas pessoas a seguinte frase: “Não vou adotar criança grande, pois elas estão cheias de maus costumes. Bebê é mais fácil, pois posso fazê-lo ser como eu quero”. Alguns que expressam essa frase ignoram que ela reproduz apenas o desejo de quem quer adotar e não a necessidade da criança. Ignoram, também, que crianças não são robôs que podem ser manipulados e programados para serem o que os adultos desejam. Crianças tem histórias, fazem birra, escolhem o lado oposto e tem seus próprios caminhos, que podem ser orientados pelos adultos, mas que não, necessariamente, terminarão como a proposta enseja.
Para essa frase sempre coloco uma pergunta: Você acha que as pessoas podem ter problemas com filhos biológicos? – Com relação a isso, não raro, na Instituição de Acolhimento que trabalho, recebe-se telefonemas de pessoas que perguntam se podem deixar ali seus filhos adolescentes, pois estão dando muito trabalho…
Filhos são como quebra-cabeça: um lindo quadro mas com muitas peças para encaixar.
Na realidade, temos dificuldades em acolher o outro com suas histórias, suas perdas, suas lágrimas, seus calos e suas superações. Queremos ser o “salvador piedoso” que muda a vida das pessoas. Desejamos um dia poder olhar nos olhos dos que “acolhemos em parte” e dizer: olha quem você era e agora quem você é. Atuamos como programas sensacionalistas que pegam uma pessoa desfigurada fisicamente, arruma os dentes, trata a pele, colore o cabelo e pronto: é uma nova pessoa! Esquecemos que as pessoas possuem alma, carregam lembranças e dores e precisam sempre estarem dispostas a mexer no grande quebra-cabeça de suas vidas. A caixa do quebra-cabeça tem o seu valor, mas ela não comporta o quebra-cabeça montado. É preciso esparramar as peças num ambiente amplo e levar horas a fio debruçado na tentativa de recolocar uma por uma.
Os adultos precisam entender que os filhos, sejam adotivos ou biológicos, passam por eles. Existe uma conexão importante, mas terão, farão ou continuarão as suas próprias histórias. Estar pronto para ser mero coadjuvante é tarefa dolorida, mas essencial para que cada um esteja no seu próprio tempo, tendo suas próprias escolhas e trilhando os seus próprios caminhos. Afinal, acolher é se apegar sem sufocar; é amar sem cobrar; é compreender que podemos ser apenas uma gotinha de oceano na vida de uma pessoa. No entanto, se essa gotinha for saudável e deixar uma leveza naquele que foi açoitado por fortes ondas, será o suficiente para imprimir nele uma pequena digital nossa. Poderá ser suficiente para trazer cura e repaginar o que parecia ter acabado.
Acolhimento, uma experiência transformadora
É certo dizer que o acolhimento do outro pode transformar a nós mesmos. Iniciamos o acolhimento desejosos de transformar e acabamos sendo transformados. A necessidade do outro se torna a nossa e crescemos muito mais do que um dia sonhávamos ser possível. Em uma outra postagem feita algum tempo atrás com o tilulo “Vida, lição da morte“, podemos compartilhar o quanto aprendemos com alguém que acolhemos por um tempo.
No entanto, para acolher é preciso desapegar-se de nós mesmos, das nossas intransigências, e da arrogância. É preciso estar sempre disposto a aprender e a readaptar. É preciso ignorar as perguntas e comentários maldosos e inconsequentes e a superar preconceitos. Acolher o outro como está, nos fala de humanidade, de sensibilidade e de aceitação. Acolher é amar e o amor nos leva para além dos limites impostos por uma sociedade hipócrita, doente e medíocre. O acolhimento muda a gente, e a gente muda a sociedade. Pecinha por pecinha, podemos reconstruir os caminhos da tolerância, da amizade, da esperança e de uma humanidade mais próxima da realidade de quem necessita de um simples acolhimento.